domingo, 6 de dezembro de 2015

A FELICIDADE NOS PEQUENOS GESTOS


Minha coluna no "Diário" 
retrata um encontro com Joaquim Moreira,
 grande expressão da moda caipira:



A FELICIDADE NOS 
PEQUENOS GESTOS

Mário Soler

Já conhecia, do cancioneiro caipira, o mestre e compositor Joaquim Moreira.
A admiração levou-me numa tarde de domingo ao Asilo de Engenheiro Schmitt, onde o incansável Sidinei Ribeiro e uma equipe de locutores e violeiros alegra os internos com horas de boa música e carinho, num evento mensal chamado “A Viola Solidária”.
Lá estava seu Joaquim, impecavelmente vestido, acomodado numa cadeira de rodas, na primeira fila, atento, sorridente e feliz.
Ganhei dele um abraço e um CD de companhias de reis. O velho compositor ensina que a felicidade cabe nas pequenas coisas e gestos, nas crenças, nos louvores, nas amizades antigas, no abraço apertado de alguém que acabamos de conhecer.
A visita rendeu reflexões. Jogamos fora muito tempo precioso, envolvidos pelo consumismo e as futilidades. Assumo que estou nesse grupo.
A comodidade e a preguiça nos prendem ao sofá da sala, nos levam a perder horas ao celular com suas múltiplas possibilidades de entretenimento. Ou matamos o tempo à mesa do boteco com meia dúzia de amigos.
Felizmente, há pessoas desprendidas, que fazem da dedicação ao próximo uma razão de vida. Vejo por lá o cabelereiro Ataíde, que faz a cabeça de tanta gente famosa, usando seu tempo livre pra melhorar o visual dos internos. Faz o trabalho com o mesmo capricho que dedica a uma celebridade. Encontrei Ézio Gianotti, das lides sindicais, em recuperação de um problema de saúde.
Voltemos ao nosso compositor. Eclético, Joaquim Rbeiro teve mais de 200 músicas gravadas e transitou por diferentes estilos. É tido como uma das principais referências do catira, amigo dos ícones Viera e Vieirinha, e apontado como o melhor mestre de cerimônias de encontros e chegadas de Folias de Santos Reis.
Ele também cantou o amor. “Lua”, gravada por Zé do Cedro e João do Pinho, registra, com singeleza, a dor de cotovelo do caipira abandonado: “Lua/ Vem me mostrar / Eu não consigo descobrir onde ela está”.
O olhar do compositor confunde-se com o do historiador. Com extraordinário poder de síntese, Joaquim Moreira registrou um período aziago, marcado por tragédias que levaram Rio Preto e região a uma comoção coletiva. Em poucas palavras, o compositor disse o que eu gastaria uma centena de páginas para descrever.
Em seis estrofes, com 30 versos, ele retrata esse período de intensa dor no clássico “Rio Preto de Luto”, gravado por Tião Carreiro e Pardinho, que faço questão de transcrever:

"Rio Preto e toda região vive muito aborrecida / De uns certo tempos pra cá quantos golpes tem sofridos / Quantos homens de valor a cidade tem perdido /Seus nomes ficaram na História gravado em nossa memória / E jamais será esquecido
Quantas perdas irreparáveis quase que num tempo só / As derrotas foram tantas falo apenas das maior / Doutor Anísio Moreira da vizinha Mirassol / Na selva de Mato Grosso caiu n'água num destroço / A morte não teve dó
Num desastre na Bolívia Milton Verde e seu cunhado / A bordo de um avião fizeram um pouso forçado / Lá viveu setenta dias do mundo desamparado / Triste fim teve os dois homens morreram de sede e fome / Completamente isolados
O Doutor Bady Bassitt ilustre batalhador / Pela Nossa Rio Preto não poupava o seu labor / Lutava pelo progresso com carinho e com amor / Mas por uma infeliz sorte foi tragado pela morte / Aumentando a nossa dor
Meu prezado e ouvinte amigo isso tudo não foi só / A morte também levou Doutor Alberto Andaló / Das derrotas rio-pretense foi uma das mais pior / Ex-prefeito e deputado lutava desesperado / Por uma Rio Preto melhor
Rio Preto também perdeu o Coutinho Cavalvanti / Morreu o Doutor Jafét outra figura importante / Nas águas do Rio Turvo cinquenta e nove estudantes / Meus Deus tenha piedade defenda nossa cidade / E também seus habitantes".

Joaquim Moreira se prepara pra comemorar 95 anos. Faz aniversário no dia da Imaculada Conceição, 8 de dezembro, e merece nosso abraço. Vida longa e muitos momentos felizes ao mestre caipira.

Joaquim exibe livro Coisas da Vida que ganhou de Soler.

Joaquim  exibe seu CD de Santos Reis
juntamente com Soler e sua esposa Elisa


Nenhum comentário: